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Artigo: A importância da decisão do STF em ADI 6363 para a manutenção dos empregos durante a crise econômica do Covid-19

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comunicacao@claudiozalaf.com.br

22/04/2020 09h33

Nesse momento do país, não restam dúvidas que a MP 936/2020, conquanto discutíveis suas nuances, está exercendo o seu papel constitucional, sendo o instrumento mais importante para enfrentamento da crise econômica em nosso país até o momento. Confira no artigo do advogado trabalhista Fernando Beu, qual foi o entendimento a respeito da ADI 6363

Fernando Pazini Beu, advogado trabalhista
fernando.beu@zalafcampinas.com.br

Na sexta-feira (17/04), o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou a medida cautelar da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) de n.º 6363 movida em face da Medida Provisória (MP) 936/2020.

A MP 936/2020 trata sobre a redução de jornada com pagamento proporcional do salário ou suspensão dos contratos de trabalho, de forma temporária e mediante contrapartida ao empregado, como benefício emergencial a ser pago pelo próprio Governo, garantia de emprego e ajuda compensatória, para manutenção dos contratos de trabalho dentro do período de pandemia do COVID-19.

Apesar de suas imperfeições, essa, sem dúvida, é a norma legal mais importante ao país elaborada para enfrentamento da profunda crise econômica mundial provocada pelo novo coronavírus.

Em efeitos práticos, o resultado do julgamento certamente trouxe maior segurança jurídica às empresas que pretendem aplicar as medidas através de acordos individuais diretamente com seus empregados, sem a participação sindical.

Portanto, relembramos que (i) para a redução proporcional de jornada e salário de até 25%, independentemente da faixa salarial e (ii) para a redução proporcional de redução proporcional de jornada e salário de até 50% ou 70% ou para a suspensão de contratos de trabalho, para empregados cujo salário é inferior a R$ 3.135,00 ou superior a R$ 12.202,00 e possuem diploma superior, não é obrigatória a realização de acordo coletivo, podendo assim as empresas realizar acordos individuais diretamente com estes empregados.

Nestes casos acima expostos, prevaleceu o entendimento de que a obrigação das empresas é a de simplesmente comunicar os Sindicatos no prazo de até 10 dias a contar da data da celebração do acordo, sem a necessidade de que estes deem o seu aval ou que possam ainda obstar o prosseguimento dos ajustes individuais, assim como exposto na própria MP 936/2020.

Restou superado o entendimento defendido pela autora (Rede Sustentabilidade) da ADI n°. 6363, que sustentava a inconstitucionalidade da MP 936/2020 porque essa permite a redução de jornada com pagamento proporcional do salário ou suspensão dos contratos de trabalho, por meio de acordo individual, sem a participação sindical, resultando, em tese, violação ao artigo 7°, incisos VI e XIII, da Constituição Federal:

“Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
(…)
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
(…)
XIII – duração do trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho;”

É certa a inconstitucionalidade da MP 936/2020 ao permitir por acordo individual entre empregador e empregado, a redução de jornada e salário e suspensão, sem a participação sindical, se levada em conta a interpretação literal e gramatical do dispositivo, caminho este adotado pelos votos vencidos dos Ministros Ricardo Lewandowski (Relator), Luiz Edson Fachin e Rosa Weber.

Em contraposição, decidiram os demais Ministros, em maioria de 7 para 3, pela aparente constitucionalidade da MP 936/2020, não referendando a liminar do Ministro Ricardo Lewandowski que havia entendido que a própria MP 936/2020, de maneira implícita, permitiria ao sindicato, após ato de ser comunicado do acordo realizado entre empregador e empregado, intervir para chancelá-lo ou não, numa solução que podemos denominar como “meio a meio”.

Embora louvável a intenção da ADI n°. 6363 e dos julgados dos eminentes Ministros vencidos ao defender direito social fundamental, a nossa Constituição Federal é considerada analítica (prolixa), ou seja, extensa quando comparada as demais Cartas Magnas de outros países, estabelecendo diversas exceções aos direitos fundamentais, o que se conclui que esses não são absolutos, mas tudo isso limitado ao próprio contexto constitucional.

Diversas foram as argumentações dos Ministros do STF para reconhecer a constitucionalidade da MP 936/2020, como: temporalidade da medida; excepcionalidade da situação; preferência pela análise posterior do Congresso Nacional para validação da medida; colapso ao Judiciário provocado por decisões que repelem sistematicamente escolhas legislativas promovendo a insegurança jurídica; convergência de interesse de empregador e empregado na manutenção de emprego; falta de estrutura sindical para atender à análise de todos os acordos individualizados realizados nesse período, entre outros.

De fato, nesse momento de força maior, a produção das empresas foi diretamente impactada, resultando em redução da demanda ou até mesmo paralisação total.

As empresas, principalmente aquelas sem reservas econômicas, irão demitir os seus empregados, sob pena de terem suas atividades encerradas por falência.

Os números trazem essas conclusões, a exemplo dos Estados Unidos que, em razão da pandemia que se alastrou antecipadamente ao Brasil, receberam 22 milhões de pedidos de seguro-desemprego nessas últimas 4 semanas, num volume não visto desde a Grande Depressão nos anos de 1930, segundo noticiado pela BBC (Brasil e Internacional) e por outros grandes noticiários.

Para aclarar a nossa realidade, é importante dizer que a Grande Depressão que se iniciou em 1929 foi a maior crise econômica mundial do século 20, reduzindo às pessoas a miséria, fome e situação precária de saúde, levando milhares à morte, tornando necessária uma série de medidas de contenção, como o New Deal.

E, o assustador, é que essa crise provocada pela pandemia já está alcançando números da maior crise econômica do século 20, levando a conclusão pelo Ministro Gilmar Mendes no seu julgado com os dizeres: “é uma crise que nossa geração jamais viu”.

Nesse contexto, e de forma bem fundamentada, é que se destaca a Ministra Cármen Lúcia ao afirmar que deve se interpretar o artigo 7°, incisos VI e XIII, da Constituição Federal com os demais dispositivos constitucionais, como do artigo 170, inciso VIII, da Constituição Federal:

“Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
VIII – busca do pleno emprego;”

A nossa Constituição Federal, por ser extensa, compõe diversas hipóteses fáticas, não podendo ser limitada à literalidade do seu texto base de direitos fundamentais. A interpretação harmônica e sistemática do dispositivo constitucional, buscando a sua razão de ser, é mais acertada, porque se adequa à realidade, em específico para situações excepcionais, alcançando ou, ao menos, aproximando-se da real vontade do constituinte originário.

A realidade nos diz que a situação atual é de emergência, não havendo possibilidade para que participem os sindicatos de todos os acordos individuais realizados nesse momento único de pandemia de forma ágil, sendo que o caminho natural da demora na solução do conflito será o desemprego.

Frisa-se que a MP 936/2020 não exclui em todo a participação sindical, apenas a equaliza, mantendo-a necessária em situações mais acentuadas, evitando-se a sobrecarga do sistema sindical.

A participação sindical é reconhecidamente necessária no sistema tripartite (entidades de trabalhadores, empregadores e governo) pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), e isso não se nega. O objetivo dessa participação, sobretudo, é resolver conflitos de interesses entre empregadores e empregados.

Entretanto, havendo convergência de interesse entre empregadores e empregados na manutenção de empregos, mediante contrapartidas ao empregado (benefício emergencial, garantia de empregado e ajuda compensatória), e, ainda, emergência da situação que poderá colapsar todo o sistema econômico, causando desemprego em massa como já mais havíamos visto, assim como já está ocorrendo em diversos países, como exemplo nos Estados Unidos, faz-se necessária a MP 936/2020 pela manutenção da ordem econômica fundada na valorização do trabalho humano e justiça social, principiando pela busca de pleno emprego, conforme bem assegurado pelo artigo 170, VIII, da Constituição Federal, ressaltado também pelo caput do artigo 6° da própria Constituição Federal que confere o direito ao trabalho, buscando-se o objetivo do texto constitucional.

De modo geral, independentemente da questão política que sempre acerca às discussões nesse momento no país, apenas nos atendo a questão fática-jurídica, não restam dúvidas que a MP 936/2020, conquanto discutíveis suas nuances, está exercendo o seu papel constitucional, sendo o instrumento mais importante para enfrentamento da crise econômica em nosso país até o momento.

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